“Dilma recua de assembleia constituinte para reforma política após críticas
Após reunião da presidente Dilma Rousseff com a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e o vice-presidente Michel Temer, o ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) afirmou que, embora ainda esteja em estudo, a proposta de constituinte poderá ser substituída por outro plebiscito que não implique em mudança na Constituição, mas apenas de legislações ordinárias (…)
Segundo o ministro da Justiça, todas as ideias estão na mesa. Entre elas, a trazida nesta terça-feira pela OAB à presidente Dilma. Essa proposta foi classificada pelo ministro de ‘muito interessante’.
Ela envolve, basicamente, mudanças na legislação eleitoral, sem alterações de fundo nas formas de representação política no país. Entre os pontos defendidos pela OAB, e que seriam apresentados à avaliação da população na forma de perguntas, às quais caberão resposta ‘sim’ ou ‘não’, estão o financiamento público de campanha, a eleição parlamentar em dois turnos e o voto em lista fechada.”
Em época de reivindicações de mais representatividade popular, vale a pena refletirmos sempre sobre cada projeto apresentado como solução para nossos anseios.
Por exemplo, as duas ideias apresentadas acima e consideradas ‘muito interessantes’ pelo ministro não são novas (sim, são apenas duas, como explicado abaixo). A bem da verdade, já foram rechaçadas algumas vezes justamente por pressão da sociedade.
Diluído à sua essência, o voto em lista fechada significa que não votaremos mais nos candidatos que escolhermos, mas apenas nos candidatos impostos pelos partidos. Em sua modalidade mais simples, o partido formula uma lista dizendo ‘1 – Dedé, 2 – Nana, 3 – Isa, 4 – Mari, 5 – Carol’.
Como a ordem na lista é decidida fica basicamente a critério de cada partido e é decidida por meio de eleições internas.
Os votos são para o partido. Se o número de votos recebidos pelo partido der a ele duas cadeiras, por exemplo, os dois primeiros nomes da lista (Dedé e Nana) são eleitos.
O crítico aqui é que o eleitor não tem o direito de escolher quem são os candidatos do partido. A lista e a ordem da lista são impostas ao eleitor pelo partido. Logo, os eleitores podem votar em massa no partido imaginário acima na esperança de que Carol seja eleita, mas como ela aparece apenas no final da lista, seus votos elegerão candidatos que não têm qualquer representatividade, enquanto a candidata que de fato puxou os votos dos eleitores não foi eleita.
Ao que tudo indica, na proposta ‘muito interessante’ apresentada ontem, o sistema descrito acima tem duas modificações:
Há um primeiro turno que funciona como explicado acima, mas com uma pequena modificação. Naquele primeiro turno, o número de votos recebidos pelo partido define o número de cadeiras a serem recebidas pelo partido. Digamos, seguindo com o exemplo acima, duas. Com base nisso, os quatro primeiros candidatos da lista daquele partido (ou seja, o dobro do número de cadeiras disponíveis), vão para o segundo turno, no qual os eleitores escolhem entre aqueles quatro candidatos os dois que devem ocupar as duas cadeiras do partido. Novamente, Carol, a nossa campeã de votos, não teria sido eleita porque ela apareceu apenas no fim da lista apresentada pelo partido.
Como as lideranças partidárias no Brasil tradicionalmente têm grande poder dentro dos partidos, o risco é que tais listas reflitam as opções de tais líderes. O poder ficaria ainda mais concentrado nas mãos desses líderes. Ou seja, em vez de fortalecermos a representatividade popular, fortaleceríamos partidos e seus líderes.
O financiamento público das campanhas também não é ideia nova. Pelo contrário. De certa forma ele já existe. Por exemplo, a chamada ‘propaganda eleitoral gratuita’ é gratuita apenas para os partidos: nós pagamos por ela já que as emissoras de rádio e TV são compensadas financeiramente em milhões de reais pelo tempo cedido. E essa compensação obviamente, sai indiretamente de nossos bolsos.
Igualmente, os R$350 milhões anuais repassados aos partidos também saem indiretamente de nossos bolsos.
A ideia do financiamento público é que se as campanhas forem financiadas por nós, os partidos deixarão de ser bancas de negócios privados, já que não dependerão mais de doações privadas.
Só que isso não é necessariamente verdade. Na proposta apresentada, ainda existe a possibilidade de doações de indivíduos (até R$700). Ou seja, os partidos não só continuariam a angariar dinheiro privado, como teriam também dinheiro público.
E mesmo que tais doações privadas não fossem possíveis, indivíduos e empresas ainda encontrariam formas de transferirem recursos aos partidos e seus líderes, como contribuições para financiar atividades gerais do partido, empréstimos de bens (jatinhos, prédios), contratação de serviços (passagens para dar palestras, prestação de consultorias etc). Ou o tradicional caixa dois. Afinal, se ele existe quando é possível o pagamento transparente, é lógico esperarmos que ele aumente muito mais se não houver mais tal canal para contribuições formais.
Mas há um segundo complicador com o financiamento público das campanhas. O doador privado doa dinheiro a quem quer. Se o partido não tem representatividade popular, ele morre por inanição financeira. Mas se somos obrigados a pagar por suas campanhas (mesmo que não gostemos daquele partido) através do financiamento público, tais partidos se perpetuarão no tempo porque, afinal, os estaremos subsidiando, ainda que eles não representem ninguém.
Aliás, é justamente isso que ocorre com a propaganda eleitoral: você pode não se interessar, mas não só paga por ela como também vê partidos sem relevância política se beneficiando desse tempo, já que somos obrigados a ceder espaço para ele também. E o mesmo também já ocorre com a distribuição do Fundo Partidário (os R$350 milhões mencionados acima). Cada brasileiro paga cerca de R$2 aos partidos todos os anos, mesmo que não goste de nenhum deles.
Ambas as propostas fortalecem os partidos. Mas é isso que os manifestantes (e demais eleitores) querem?